CRISTÃO E AS AUTORIDADES
TODA AUTORIDADE É CONSTITUÍDA POR DEUS?
Exposição de Romanos 13.1-10
APRESENTAÇÃO
Existem muitas discussões políticas entre cristãos a respeito se podemos ou não nos manifestarmos contra os nossos governantes quando eles fazem algo errado. Será que é pecado já que toda autoridade foi instituída por Deus? Ou devemos nos impor contra a injustiça e tudo aquilo que vai contra os princípios bíblicos?
Então irei fazer uma exposição detalhada de Romanos 13.1-10, pois essa passagem é bastante usada nessas discussões. Vou logo avisando, o texto é longo mais é rico em conteúdo. Pois uma exposição ou comentário bíblico deve ser detalhado e envolvendo todo o contexto para poder entender um texto. Então vamos deixar de conversa e vamos para a exposição. Eu sou Natannael Oliveira e vamos para O QUE A BÍBLIA DIZ.
TEXTO
"Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas. Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se colocando contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos. Pois os governantes não devem ser temidos, a não ser pelos que praticam o mal. Você quer viver livre do medo da autoridade? Pratique o bem, e ela o enaltecerá. Pois é serva de Deus para o seu bem. Mas se você praticar o mal, tenha medo, pois ela não porta a espada sem motivo. É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal. Portanto, é necessário que sejamos submissos às autoridades, não apenas por causa da possibilidade de uma punição, mas também por questão de consciência. É por isso também que vocês pagam imposto, pois as autoridades estão a serviço de Deus, sempre dedicadas a esse trabalho. Dêem a cada um o que lhe é devido: Se imposto, imposto; se tributo, tributo; se temor, temor; se honra, honra. Não devam nada a ninguém, a não ser o amor de uns pelos outros, pois aquele que ama seu próximo tem cumprido a lei. Pois estes mandamentos: 'Não adulterarás', 'não matarás', 'não furtarás', 'não cobiçarás', e qualquer outro mandamento, todos se resumem neste preceito: 'Ame o seu próximo como a si mesmo'. O amor não pratica o mal contra o próximo. Portanto, o amor é o cumprimento da lei." (Romanos 13.1-10).
CONTEXTO GERAL
O apóstolo Paulo escreveu a Carta aos Romanos em torno do ano de 57 d.C., 20 anos após a sua opção pela fé cristã. A carta foi escrita em meio aos conflitos com o mundo judaico. Paulo não tinha muitos conhecidos em Roma. Sua visão teológica o fez confiar, lutar e zelar para que a salvação não fosse monopolizada. Ele pregava e vivia uma proposta abrangente de fé, pois a promessa de Deus é universal.
Em toda a história da Igreja a Carta aos Romanos foi um referencial teológico, tendo um papel fundamental sobretudo nos primeiros séculos, em que a grande luta girou em torno do clarear a doutrina. Na Carta aos Romanos Paulo concentra os seus conceitos de fé/doutrina cristã. Sem dúvida, ela exerce ainda hoje importância fundamental no processo evolutivo de uma caminhada de libertação, quando muitos sistemas querem engolir o evangelho e sua proposta de vida.
Evidentemente é preciso ler e estudar as cartas paulinas dentro do seu contexto e da própria experiência pessoal vivida pelo apóstolo. Neste sentido, é interessante lembrar no capítulo 1, a sua apresentação aos desconhecidos cristãos de Roma: mostra os títulos, que tem para poder falar (Romanos 1.1,5); apela para Jesus Cristo, em tom definitivo, como sendo o Senhor do mundo e da história (Romanos 1.3,4); convoca a seu favor as Escrituras e os profetas (Romanos 1.2); clareia o sentido de ser apóstolo, revelando sobretudo na ação, porque a fé é uma obediência, uma coisa muito dentro da prática (Romanos 1.5); já aponta os pagãos como também merecedores da santidade (Romanos 1.7); não só se apresenta, mas já anuncia o seu assunto (Romanos 1.1,3,5). (C. Mesters, página 13).
INTRODUÇÃO
Os cristãos em Roma enfrentavam concretamente uma grande perseguição, como se eles fossem os maiores subversivos. Diante do imponente poder opressor do poderoso Império Romano, no entanto, o grupo de cristãos e cristãs era pequeno. Que ameaça ele poderia representar?
Sabemos da vivência do apóstolo Paulo que ele foi um ferrenho lutador contra o sistema, com firme e forte contestação. Evidentemente Paulo não dispunha de um instrumental de análise crítica estrutural e funcional da sociedade, que era vista e aceita de maneira natural. Tanto isso está presente na sua concepção social que, em relação a outros abusos do tempo dele, como a escravatura, a opressão da mulher — que hoje não são aceitos — ele mostra a mesma atitude de aceitar como uma coisa natural (Mesters, página 54).
Romanos 13 é um passo de criticidade à concepção de autoridade em Paulo.
Ensina a honrar e obedecer ao regime secular instituído, mesmo que não consiga tornar as pessoas justas perante Deus, ao menos para conseguir que os retos tenham paz e proteção exterior, e os maus não possam praticar as maldades livremente, sem medo e incômodo, na maior tranquilidade. Finalmente ele a tudo resume no amor e o encerra no exemplo de Cristo: como ele agiu para conosco, assim também nós devemos agir e segui-lo. (Pelo Evangelho de Cristo, página 191.)
Mesmo que Paulo conviva com sua visão submissa à autoridade, podemos constatar que ele coloca a autoridade abaixo de Deus e dependente dele (versículo 1), levando-se em contra a divinização do imperador exigida do povo. Por outro lado, advoga a existência da autoridade em função do bem. Portanto, ela deve estar a serviço e não exercer poder de dominação (versículo 4).
Como entender hoje as posições e concepções de Paulo? Percebe-se na atualidade uma forte crise de valores éticos e morais e de autoridade, governamental ou não. O processo evolutivo de compreensão da sociedade tem gerado profundas transformações no campo relacional da submissão/sujeição para uma visão de libertação. Ainda assim, tem-se necessidade de olhar para o texto de Romanos 13, para dentro da sua realidade. Trata-se de um texto de sujeição/submissão? O que há nele de boa nova? Revela adestramento? Como confrontá-lo com a radicalidade de Romanos 12? Onde aparecem caminhos de libertação?
É possível perceber e detectar um quadrado ou retângulo na construção do texto, quando se relacionam: obediência, autoridade, amor e bem.
1. O QUE É ESSA AUTORIDADE?
A temática da autoridade, obediência, mal e bem sempre vai suscitar movimentos interpretativos favoráveis ou contrários, especialmente em se tratando do estudo e interpretação de Romanos 13. Aí vamos saltar até Lutero, quando ele expõe algumas teses em relação à autoridade:
"A autoridade é instituída por Deus em seu ministério. Por isso, os cristãos lhe devem obediência. — Como é Deus quem dá autoridade ao governante, devemos obediência incondicional a Deus, mas não ao governante. Nem mesmo o militar cristão deve obediência absoluta ao governante. O limite da obediência está dado pela palavra de Deus: o Evangelho e o Decálogo. — O cristão não obedece cegamente. Ele tem que formar sua opinião própria. — Quando a autoridade o quer forçar a fazer injustiça, tem o compromisso de desobedecer, de resistir com a palavra, de sofrer com a palavra." (Estudos Teológicos, ano 29, n- 1, 1989, página 79).
Quero, pois, entender Paulo, apesar de toda a carga servil e de submissão que o texto carrega, em seu conteúdo libertador.
2. PODEMOS SER CONTRA O GOVERNO?
Há que se considerar o contexto da opressão e perseguição e a própria cobrança do culto ao imperador. Simplesmente desobedecer não significaria o fim de tudo? É possível perceber um plano e visão estratégica ocasional, já que os/as cristãos/ãs resistiam ao culto ao imperador, significando isto uma forma de não se sujeitar, o que, sem dúvida, demonstra um grau libertador muito claro?
Romanos 12 dá um sinal muito claro de inconformismo com a realidade (versículos 1-2). É preciso lembrar o aspecto da graça e da liberdade que o apóstolo proclama, por exemplo, em Filemon versículo 16, quando sugere tratar o escravo como irmão: quebra com a concepção de escravatura. Ou em Gálatas 5.11: "Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais de novo ao jugo de escravidão."
Olhando, no entanto, o significado grego é lembrado que a autoridade é ministro (= diácono, servo, administrador) de Deus para o teu bem (versículo 4).
3. DEFENDER O QUE É JUSTO
Se, de fato, Paulo tem claro esta dimensão, então a sujeição se dá no plano do bem, da justiça.
Os textos das leituras carregam um significado de serviço, de compromisso com a defesa, vigilância, proteção do povo. Nesta globalização só é possível aceitar a posição de Paulo na sujeição ao cumprimento por parte da autoridade em seu caráter de serviço, de bem, e não uma obediência e submissão por resignação.
Nesta reflexão a respeito da insubmissão, consideremos uma palavra no contexto maior da Reforma, de 1539:
"Assim como o Evangelho confirma a autoridade, assim também confirma os direitos naturais e legais; e não há dúvida de que cada pai deve, segundo as suas possibilidades, proteger esposa e criança frente ao assassinato público; e aqui não há distinção entre um assassino privado e o imperador, quando faz uso fora de seu ministério de autoridade injusta e especialmente quando faz uso de autoridade injusta pública ou notória, pois violência pública põe fim a todos os compromissos entre súdito e senhor, segundo o direito natural; semelhante a esse caso, quando o senhor quer induzir o súdito à blasfémia ou à idolatria." (Estudos Teológicos, ano 29, na l, 1989, p. 77.)
4. SOMOS LIVRES
O grande desafio hoje realmente é a aceitação desta exortação de Paulo para dentro da crise de conceitos que vivemos. Permanece presente a contradição de uso da autoridade que se investe e reveste de autoritarismo; de autoridade que não exerce seu ministério, diaconia na compreensão de serviço e que não correspondem, não satisfazem o compromisso de zelar pelo bem, por uma dinâmica de libertação. Afinal, o Deus que conhecemos na Bíblia é um Deus libertador que destrói os mitos e as alienações. Um Deus que intervém na história, para quebrar as estruturas de injustiça e suscita profetas para assinalar o caminho da justiça e da misericórdia. E o Deus que liberta os escravos (Êxodo), faz cair os impérios e levanta os oprimidos. Todo o clima do evangelho é uma reivindicação contínua pelo direito que têm os pobres de fazer ouvir suas razões económicas às dos mais necessitados. Porventura a primeira pregação de Cristo não é para proclamar a libertação dos oprimidos? (G. Gutiérrez, página 109.)
5. OBEDECER SOMENTE PARA O BEM
O apóstolo tem consciência do cumprimento da lei, de compromissos que fazem parte da responsabilidade social (versículo 7). Acima, no entanto, da obediência à autoridade está a primazia da prática do bem, do amor ao próximo, pois quem ama ao próximo tem cumprido a lei (versículo 8). Por outro lado, está claro também que quem age em amor corresponde à vontade de Deus, a quem antes importa obedecer (Atos 5.29). As parteiras obedeceram a Deus acima de tudo e zelaram pela vida (Êxodo 1).
O/a cristão/ã tem consciência de sua responsabilidade e compromisso com a vida libertada fundamentada na morte e ressurreição de Cristo; assim que o amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor (versículo 10). Amor que só tem sentido quando se traduz em gestos, em ação libertadora.
Gustavo Gutiérrez ressalta:
"Estamos, na América Latina, em pleno processo de fermentação revolucionária. Situação complexa e movediça, que resiste a interpretações esquemáticas e exige contínua revisão das posições adotadas. Seja como for, a insustentável situação de miséria, alienação e espoliação em que vive a imensa maioria da população latino-americana pressiona, com urgência, a encontrar o caminho de uma libertação económica, social e política. Primeiro passo para uma nova sociedade."
CONCLUSÃO
Considerando o contexto do chamado Dia da Independência, é necessário avaliar o conceito de autoridade-serviço.
A autoridade precisa estar a serviço. Ser autoridade não significa ser servido, mas estar consciente de que precisa servir aos outros. Precisa ser exemplo no serviço. Só podemos entender a sujeição, conforme o apóstolo Paulo, nesta relação de serviço-diaconia.
Os exemplos mais claros de autoridade-serviço temos em Deus mesmo, que, no processo ou ato de criação e em Jesus Cristo, doou-se em favor da vida.
Há tempos vivemos em estado agônico de dependência e subserviência interna e externa às forças opressoras que, pelo poder autoritário, desfazem a liberdade do amor cristão. Não vamos nos esquecer, porém, de que a autoridade de opressão, não de serviço, existe tanto no campo político-econômico-social como no contexto eclesial-comunitário-familiar. Não vamos nos esquecer, também, de que eleição tem a ver com a escolha de autoridade-serviço-amor e bem. Escolher autoridade diacônica é um dever de consciência, um exercício de cidadania e um sinal de libertação.
Martinho Lutero obteve da Bíblia a certeza de que a pessoa deve obediência unicamente a Deus, que Deus liberta as pessoas para servirem às outras em amor. A partir disso defendeu: O cristão é um senhor livre de todas as coisas e não está sujeito a ninguém — na fé. Um cristão é um servidor de todas as coisas e sujeito a todos — no amor. (Da Liberdade Cristã.)
Obrigado por ter lido até aqui, se todos os brasileiros se importasse com a leitura e conhecimento como você, nosso país seria bem melhor. Só peço mais uma coisa, curte, deixa seu comentário do que achou do texto e compartilha com todos seus amigos. Que Deus lhe abençoe.
Graça e paz!
REFERÊNCIAS:
* DREHER, Martin N. A Autoridade Secular; a Visão de Lutero. Estudos Teológicos, São Leopoldo, 2P(l):67-86, 1989.
* GUTIÉRREZ, Gustavo. Teologia da Libertação. Petrópolis, Vozes, 1976.
* LUTERO, Martinho. Prefácio à Epístola de São Paulo aos Romanos. In: Pelo Evangelho de Cristo. São Leopoldo, Sinodal; Porto Alegre, Concórdia, 1984. pp. 179-192.
* MESTERS, Carlos. Carta aos Romanos. São Paulo, Paulinas, 1983.
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