CAIR NA FÉ E VOLTAR



UMA PESSOA QUE CAI NA FÉ NÃO PODERAR VOLTAR MAIS?


Exposição de Hebreus 6

APRESENTAÇÃO

Exposição do sexto capítulo da epístola aos Hebreus. Essa exposição não tem o intuito de ser exaustiva. Ela pretende trazer uma análise simples, além de levantar outra perspectiva sobre os polêmicos versículos 4-6.

AUTOR

Desconhecido. Há muita discussão e incerteza acerca da autoria do livro de Hebreus e muitos têm como nome mais provável o de Paulo, porém está longe de ser uma unanimidade. A autoria do livro carece de provas e por isso, para a maioria da comunidade cristã, esse elemento permanece obscuro.


DATA

Clemente, um dos pais da igreja primitiva, citou o livro de Hebreus em 95 d.C. No entanto, provas internas, tais como o fato de que Timóteo estava vivo no momento em que a carta foi escrita e a ausência de qualquer evidência mostrando o fim do sistema sacrificial do Antigo Testamento, o qual ocorrera com a destruição de Jerusalém em 70 d.C., indicam que o livro foi escrito por volta de 65 d.C.


1. EXORTAÇÃO AO PROGRESSO NA FÉ

"Por isso, pondo de parte os princípios elementares da doutrina de Cristo, deixemo-nos levar para o que é perfeito, não lançando, de novo, a base do arrependimento de obras mortas e da fé em Deus, o ensino de batismos e da imposição de mãos, da ressurreição dos mortos e do juízo eterno. Isso faremos, se Deus permitir." (Versículos 1-3).

O autor findou o quinto capítulo repreendendo e exortando aos seus leitores por reconhecer o lento crescimento que eles demonstravam estar tendo na caminhada cristã (Hebreus 5.11-14). Ele inicia o sexto capítulo com a fala “Por isso” e estabelece uma conexão da sua fala anterior com aquela que será a posterior e desse modo prossegue dizendo para que os cristãos não se limitassem à base das doutrinas cristãs mas que se aperfeiçoassen continuamente.

São citados alguns pontos fundamentais da fé cristã e descritos que por serem basilares deveriam ser compreendidos por todo cristão. Indiretamente estas palavras são uma exortação e um incentivo a todo crente, já que é bem possível (ou certo) que nem todo cristão conheça e entenda esses fundamentos citados.

Entre os elementos aludidos pelo menos dois podem gerar dúvidas. São eles: as obras mortas e os batismos. Provavelmente as obras mortas das quais se deve arrepender sejam as obras pecaminosas ou aquelas que buscassem justiça própria praticadas antes da conversão; o uso de batismo no plural (batismos) pode suscitar questionamentos já que há somente um batismo cristão (Efésios 4.5). Nesse sentido "batismos" pode estar abrangendo e incluindo o batismo de João ou algumas cerimônias no templo judaico (já que a carta era a judeus) mas, possivelmente "batismos" se referia aos atos do batismo cristão e não a tipos de batismos diferentes.


2. OS PERIGOS ESPIRITUAIS

"É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia." (Versículos 4-5).

Nestes versos o autor se volta aparentemente buscando mostrar perigos espirituais, porém, esses são alguns dos versículos mais discutidos das Escrituras. Assim como diz o Dr. Sam Storms: “Existem provavelmente mais de doze opções interpretativas a essa passagem, que podem ser encontradas em comentários ou periódicos”.

Estes versos também são munição para os calorosos debates entre calvinistas e arminianos, sendo geralmente utilizados pelos arminianos para defender a possibilidade de um cristão verdadeiro cair da graça. Porém, como diz Moises C. Bezerril: “O primeiro problema de Hebreus 6.4-6 é a “queda dos iluminados”.­ O segundo problema é a total impossibilidade de uma restauração ou renovação para os que caíram. O texto diz que é “impossível renová-los para arrependimento”.

A palavra grega ADYNATON, “impossível”, dá a ideia, no Novo Testamento, de uma total impossibilidade, aplicada a paralisia ou enfermidade que anula qualquer desempenho de força, e é uma expressão comum para fraqueza (Atos 14.8; Romanos 8.3; Romanos 15.1). Isto indica que não há nenhuma possibilidade de que estes que caíram se levantem novamente e sejam restaurados. Parece-me que aqui também não há perdão para os que caíram. São duas dificuldades. A primeira parece ser um problema para os calvinistas pois fala da queda dos que outrora foram iluminados; a segunda parece ser um problema para os arminianos, pois se deparam com o problema da impossibilidade da renovação e do perdão."

Existem também aqueles que entendem que nesse trecho o uso das palavras e dos particípios no grego indicam uma situação hipotética e dessa maneira o autor estaria conjecturando uma hipótese para defender que se alguém fosse de fato convertido e caísse da graça seria como estar crucificando Cristo novamente e como isso não seria possível também um cristão genuíno não poderia se apostatar.

Uma outra perspectiva desse trecho leva em consideração a adaptação dos judeus ao cristianismo. Porém, primeiro vamos voltar a análise do texto:

O autor diz que é impossível renovar para arrependimento indivíduos que experimentaram determinados elementos espirituais. Ele fala sobre tais indivíduos serem iluminados, o que não necessariamente implica salvação mas simplesmente pode significar exposição a luz, a luz divina da revelação da Verdade; o autor também fala que estes indivíduos provariam do dom celestial. Alguns entendem que provar do dom celestial seria participar do sacramento da Ceia do Senhor. É dito também sobre se tornar participante do Espírito Santo, onde alguns veem como sendo a ação do Espírito para regeneração e outros afirmam ser um tipo de participação não salvífica, como milagres ou bênçãos. Todavia, não parece tão clara qual a natureza dessa participação no Espírito.

No versículo 5 o autor continua discorrendo sobre esses indivíduos provarem a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro que, possivelmente, se referia a sinais e maravilhas ou a presença espiritual do reino dos céus. E por fim, no versículo 6, o autor afirma que aqueles que experimentassem todas essas coisas citadas no versículos 4-5 e depois caíssem da graça, ou seja, deixassem a Cristo, não poderiam se arrepender; era impossível que eles se arrependessem. Em outras palavras, eles estariam perdidos para sempre.

Se os versículos forem considerados como uma afirmação real e não hipotética o pecado cometido por esses homens seria um pecado sem perdão e as Escrituras só descrevem (claramente) um pecado sem perdão: a blasfêmia contra o Espírito Santo (Mateus 12.31-32).

Uma das principais explicações sobre a blasfêmia contra o Espírito Santo é que ela é uma acusação e, mais do que uma acusação, é ter um coração que odeia a Cristo e seus princípios e se volta contra Ele com furor mesmo reconhecendo que Cristo é Deus e que Ele é a Verdade. É se revoltar, se opor conscientemente contra o Santo, com a mente cauterizada. Foi isso que fizeram os fariseus, eles odiaram e acusaram Jesus de expulsar demônios por Belzebu conscientes que estavam diante do Messias, do Filho de Deus, e que Ele fazia todas as coisas pelo poder do Espírito de Deus. (Mateus 12.22-32).

Com base nesse entendimento há um linha de interpretação desses versos que envolve um pouco da adaptação de alguns judeus ao cristianismo. Se entende que como a carta originalmente foi entregue a judeus que em outro tempo estavam habituados à lei e às cerimônias judaicas houve certa dificuldade para alguns judeus deixarem a prática das cerimônias e os rudimentos da lei. Desse modo, alguns da comunidade entenderam a suficiência de Cristo, o cumprimento que Ele efetuou da Lei, entenderam que os elementos do Antigo Testamento eram sombras e que Cristo foi a perfeição para o que aquelas coisas apontavam; embora entendendo e sendo convencidos por essas práticas esses judeus amaram mais as obras mortas do que o conhecimento da salvação que receberam. Nesse sentido fizeram como os fariseus, entendendo que Jesus é suficiente mas com suas atitudes voltando aos rudimentos da Lei procurando se justificarem pelas obras (Gálatas 3.10). De um modo geral, com base nessa visão, os indivíduos podem ser comparados as descrições da parábola do semeador, não tendo solo bom para se desenvolverem firme e profundamente (Mateus 13.18-23).

Obs.: O novo testamento traz vários registros de como a mentalidade de muitos judeus era rígida quanto ao abandono total dos ritos e das práticas cerimoniais da Lei. Paulo luta contra isso em sua carta aos gálatas, foi necessário um concílio em Jerusalém para tratar de forma específica desse tema (Atos 15) , Pedro em determinada ocasião sentiu-se constrangido neste aspecto (Gálatas 2), alguns defendiam a obrigatoriedade das práticas cerimoniais da Lei em Colossos (Colossenses 2), entre muitas outras ocasiões. Esses episódios retratam que a comunidade judaica, pelo menos de forma parcial, sofreu com a transição das alianças. Em vista disso é razoável compreendermos estes aspectos ao lermos uma epístola específica aos judeus que se converteram como é o caso da carta aos hebreus.

"Porque a terra que  absorve a chuva que frequentemente cai sobre ela e produz erva útil para aqueles por quem é também cultivada recebe bênção da parte de Deus; mas, se produz espinhos e abrolhos, é rejeitada e perto está da maldição; e o seu fim é ser queimada." (Versículos 7-8).

O autor cria um paralelo usando uma metáfora agrícola. Basicamente, ele diz que aqueles que recebem a Palavra de Deus e produzem bons frutos são abençoados e aqueles que recebem e produzem maus frutos serão condenados.


3. AS COISAS MELHORES E PERTENCENTES A SALVAÇÃO

"Quanto a vós outros, todavia, ó amados, estamos persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes à salvação, ainda que falamos desta maneira. Porque Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome, pois servistes e ainda servis aos santos. Desejamos, porém, continue cada um de vós mostrando, até ao fim, a mesma diligência para a plena certeza da esperança;" (Versículos 9-11).

O autor demonstra muito afeto pelos cristãos judeus a quem escrevia e também sinaliza que eles estavam persuadidos, ou seja, convencidos do que realmente era valoroso e importante para a salvação. Se haver o entendimento que a última linha interpretativa citada nessa exposição dos versículo 4-6 é a correta o autor estaria se referindo que os seus destinatários estariam persuadidos que Cristo é suficiente para salvá-los e que eles não precisavam e não deveriam se voltar para as antigas práticas da Lei.

Ele prossegue incentivando o empenho em santidade tendo certeza da esperança da redenção.


4. A IMUTABILIDADE DA PROMESSA DE DEUS

"Para que não vos torneis indolentes, mas imitadores daqueles que, pela fé e pela longanimidade, herdam as promessas. Pois, quando Deus fez a promessa a Abraão, visto que não tinha ninguém superior por quem jurar, jurou por si mesmo, dizendo: Certamente, te abençoarei e te multiplicarei. E assim, depois de esperar com paciência, obteve Abraão a promessa. Pois os homens juram pelo que lhes é superior, e o juramento, servindo de garantia, para eles, é o fim de toda contenda. Por isso, Deus, quando quis mostrar mais firmemente aos herdeiros da promessa a imutabilidade do seu propósito, se interpôs com juramento, para que, mediante duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, forte alento tenhamos nós que já corremos para o refúgio, a fim de lançar mão da esperança proposta; a qual temos por âncora da alma, segura e firme e que penetra além do véu, onde Jesus, como precursor, entrou por nós, tendo-se tornado sumo sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque." (Versículos 12-20).

Não desejando que os cristãos fossem negligentes e preguiçosos o autor incentiva para que eles imitassem aqueles que com fé, paciência e ânimo alcançam as promessas. Abraão é citado como o exemplo de alguém que alcançou a promessa e é destacado que Deus jurou por si mesmo a fim de demonstrar zelo e confirmação da Sua promessa. Do mesmo modo que Abraão confiou na promessa e foi paciente os cristãos também devem confiar ao relembrarem que Deus é fiel e perfeito. Os cristãos são instigados a agarrarem esta esperança de salvação sabendo que Cristo foi além do véu e realizou o sacrífico perfeito, sendo o cordeiro puro que expiou os pecados (Hebreus 10.12). Dessa forma, Cristo se tornou o sumo sacerdote que intercede de modo perfeito pelo Seu povo, não segundo a ordem de Arão (limitada e temporal) mas segundo a ordem de Melquisedeque - superior e eterna (Gênesis 14.18-20; Salmos 110.4).


TEXTO: Wrias Santos
EDIÇÃO E REVISÃO: Natannael Oliveira
VERSÃO: Almeida Revista e Atualizada (ARA).


REFERÊNCIAS:

-Livro de Hebreus
(https://goo.gl/MGX2CY)

-Hebreus 6.4-6 e a Possibilidade de Apostasia - Dr. Sam Storms.
(https://goo.gl/7MDqTt)

-A Queda dos Iluminados De Hebreus 6.4-6 Calvino e Matthew Poole - Moisés C. Bezerril.
(https://goo.gl/tGq8cw)

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